Pais largam tudo para que filho com síndrome rara retratada no filme 'Extraordinário' consiga tratamento no interior de SP
Daniel Guedes, de 14 anos, tem a Síndrome de Treacher Collins, condição que esteve em evidência mundialmente com o filme ‘Extraordinário’, de 2017. Pais se mudaram de Cajamar (SP) para Bauru (SP), a 330 km de distância, em busca de tratamento. Daniel Guedes, de 14 anos, tem Síndrome de Treacher Collins
Luís Ricardo da Silva/g1
Há 14 anos, um casal do interior de São Paulo faz coisas extraordinárias para que a vida do filho seja considerada “normal”.
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Rogéria e Fernando Guedes largaram parte da família, empregos e histórias em Cajamar (SP) e partiram para Bauru (SP), a 330 km de distância, em busca de tratamento para a rara condição do terceiro de quatro filhos do casal no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da Universidade de São Paulo (USP).
Daniel Guedes, hoje um adolescente de 14 anos, tem a Síndrome de Treacher Collins, doença que esteve em evidência mundialmente com o filme “Extraordinário”, de 2017, que narra a história de um garoto nascido com a malformação craniofacial.
Síndrome de Treacher Collins foi retratada no filme ‘Extraordinário’, de 2017
Divulgação
Condição rara
Considerada uma condição congênita rara, de causa genética, a síndrome acomete uma a cada 50 mil a 70 mil nascidos vivos e se caracteriza principalmente pelo comprometimento dos ossos da face, afetando funções básicas como alimentação, fala e respiração.
A descoberta da síndrome por parte da família de Daniel só foi possível depois do nascimento do menino e deu início a uma batalha que se estende todos os dias.
“Ele nasceu de 37 semanas, não sabíamos da síndrome. Antes do nascimento, chegaram a cogitar Síndrome de Down, mas foi descartado. Os três primeiros meses dele foram internados no hospital. O Daniel é um milagre. Já cheguei a ouvir que ele não iria sobreviver e, se sobrevivesse, iria ficar vegetando em cima da uma cama”, revela a mãe.
Nos primeiros anos de vida, Daniel enfrentou muitos desafios com relação à saúde.
De acordo com a mãe, a dificuldade respiratória resultou em uma traqueostomia (procedimento cirúrgico no qual é feita uma abertura frontal na traqueia do paciente), e a dificuldade de deglutição (ato de engolir) em uma gastrostomia (cirurgia para inserir uma sonda até o estômago), obrigando o menino a utilizar uma sonda nasogástrica, que ia do nariz ao estômago, para que ele conseguisse se alimentar.
Mãe descobriu a Síndrome de Treacher Collins só após o nascimento de Daniel
Arquivo pessoal
‘Mundo desconhecido’
Além de comprometer funções vitais, a síndrome traz alterações faciais e, muitas vezes, estigmas e preconceitos de quem desconhece a condição. A mãe revela que, durante anos, foi difícil para ela conviver com o julgamento exterior e o desconhecimento sobre a doença.
“Nós somos de Cajamar, lá ninguém nunca tinha visto isso. Não sabíamos do que se tratava. Foi uma luta bem grande, me vi em um mundo desconhecido”, conta.
“Tem os preconceitos e, na época, eu era uma mãe muito brava. Se falava do meu filho, eu metia a boca […] Mas a gente vai aprendendo que não é assim, a gente vai vivenciando e aprendendo a lidar”, complementa.
Durante pouco mais de 10 anos, o tratamento de Daniel foi feito em Jundiaí (SP), cidade que fica a cerca de 20 km de distância de Cajamar.
Após uma grave intercorrência, incluindo uma parada cardíaca, o jovem precisou passar por uma cirurgia no HRAC/Centrinho-USP de Bauru, em 2018. O fato mudou as vidas dele e da família para sempre.
Família se mudou para Bauru para facilitar tratamento do filho na USP
Luís Ricardo da Silva/g1
Com o resultado positivo, o casal decidiu estar mais próximo do hospital, que é referência mundial no tratamento multi e interdisciplinar de anomalias craniofaciais e síndromes raras. A mudança para Bauru se deu em 2019 e, com ela, sonhos extraordinários para o jovem.
“Eu sou tratado bem, gosto de todos aqui. Todo mundo conversa comigo. Descobri que quero ser médico, quero cuidar de mim e cuidar dos outros”, revela Daniel.
“Quando viemos para cá, o tratamento dele melhorou […] Foi quando ele começou a frequentar uma escola normal, tirou a traqueostomia, a sonda, começou a se alimentar, começou a ter qualidade de vida, coisa que ele não tinha antes”, relata a mãe.
Sonho em família
Tão importante quanto a luta médica, é a batalha pela socialização do filho. Para isso, nada melhor do que uma paixão nacional: é por meio do futebol que o jovem Daniel se sente extraordinário.
Pai e filho compartilham paixão pelo futebol e pelo Santos FC
Luís Ricardo da Silva/g1
Diante de uma família inteira de santistas, o jovem briga, discute e torce pelo melhor para o clube do coração. “Ele começou a acompanhar de 2019 para cá. Assiste aos jogos, revê lances antigos, sabe tudo… Os jogadores, dados, escalação. É uma paixão”, conta o pai Fernando, um dos muitos santistas da família.
“Eu acredito que a socialização dele melhorou muito depois de ele começar a gostar do esporte. Ele conheceu mais amigos, mais crianças, jogou o interclasses da escola, se sente acolhido”, complementa o pai.
Daniel Guedes tem outras três irmãs
Arquivo pessoal
E a paixão de Daniel foi recompensada com a realização de um sonho em família. Por meio de uma amiga dos pais, e também santista, Daniel conseguiu conhecer a Vila Belmiro.
“Eu me apaixonei por ele assim que conversamos pela primeira vez. Quando ele falou que era santista, começamos uma amizade ainda mais próxima”, revela Ana Maria Lourenço.
Família acompanhou o Santos em jogo pelo Campeonato Paulista
Arquivo pessoal
Foi Ana Maria quem correu atrás da possibilidade de levar Daniel para ver de perto o time do coração. Ao saber da história, o Santos FC convidou o jovem para visitar o Centro de Treinamento Rei Pelé e acompanhar um jogo na eterna Casa do Rei neste ano.
“Eu fiquei emocionado porque vi todos os jogadores, a comissão. A Vila Belmiro é minha maior paixão, é a vila mais famosa”, diz Daniel.
A emoção pôde ser compartilhada em família, já que os pais e a amiga santistas acompanharam o ilustre torcedor na visita.
Daniel conheceu jogadores e ídolos do Santos FC em visita ao clube
Arquivo pessoal
Em Santos (SP), Daniel foi recebido pelos ídolos do clube Léo e Clodoaldo, tirou fotos e ganhou autógrafos de vários jogadores e o carinho do técnico Fábio Carille, além de ter entrado em campo com o time no duelo contra o Novorizontino, no dia 18 de fevereiro.
“Foi emocionante porque ver a felicidade dele é incrível. Ele já sofreu tanto na vida que, quando a gente encontra esse momento de felicidade dele, para a gente é gratificante”, comenta a mãe.
Jogadores e técnico do Santos recepcionaram torcedor em visita ao clube
Arquivo pessoal
Mesmo com a derrota do clube do coração por 2 a 1, Daniel garante que o dia foi de vitória.
“Meu sonho foi realizado. Santos FC, obrigado por me dar esta oportunidade única”, comemorou Daniel em uma rede social.
Clube agradeceu a visita ilustre do torcedor santista em duelo contra o Novorizontino
Reprodução/Instagram
A família também garante que o brilho e a alegria desse momento extraordinário não foram ofuscados pelo resultado, já que, segundo os pais, acompanhar os novos passos de Daniel é “um orgulho que nem todos podem ter”.
Para o jovem, fica a certeza de que hoje tem pelo que nascer, viver e morrer. “Futebol é bom para a gente, bom para a saúde. Eu gosto de jogar bola na escola. Eu hoje vivo futebol”, conta.
Daniel Guedes entrou em campo em duelo do Santos na Vila Belmiro
Reprodução/Santos FC
A síndrome e o processo de reabilitação
Os achados clínicos mais frequentemente observados da Síndrome de Treacher Collins são: mandíbula pequena ou com malformação e orelhas malformadas ou muitas vezes ausentes.
“A maioria dos pacientes apresenta olhos inclinados devido às malformações no esqueleto ósseo e, outras vezes, fissuras palatinas estão associadas”, explica o médico Cristiano Tonello, chefe técnico da Seção de Cirurgia Craniofacial do HRAC/Centrinho-USP e doutor em Clínica Cirúrgica pela FMUSP.
As alterações na configuração anatômica da mandíbula podem levar ao desconforto respiratório desde o momento do nascimento até a idade adulta.
Cirurgias que incluem o alongamento do osso da mandíbula ou mesmo a traqueostomia (abertura cirúrgica no pescoço para permitir a respiração) muitas vezes são necessárias para que o comprometimento da respiração possa ser resolvido.
“A dificuldade respiratória associada às malformações faciais podem causar também a dificuldade de alimentação. A necessidade de acompanhamento com pediatras e fonoaudiólogos é imprescindível para que a criança possa mamar e comer”, afirma.
Ainda de acordo com o especialista, o comprometimento da face também é acompanhado em grande parte das vezes por alteração na posição dos dentes e na condição oral desses pacientes. Assim, a atuação do cirurgião-dentista – em especial do odontopediatra e do ortodontista – é fundamental na reabilitação integral desses pacientes.
As correções estéticas na região dos olhos e das pálpebras, que consistem basicamente no restabelecimento dos contornos ósseos das margens dos olhos e do reposicionamento do canto das pálpebras, são realizadas durante a infância e visam diminuir os estigmas de uma face esteticamente comprometida.
O HRAC/Centrinho-USP é referência mundial no tratamento e, no total, mais de 100 pacientes com a Síndrome de Treacher Collins já foram atendidos na instituição.
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Fonte: G1