Uso de cães-guia transforma vidas através da autonomia: 'Não preciso mais detectar o obstáculo, eu simplesmente ando'
Além de promoverem segurança, os cães-guia proporcionam independência e confiança, permitindo que seus usuários se desloquem com maior facilidade. Filhotes do Instituto Adimax brincam em momento de recreação
Instituto Adimax/Divulgação
Responsáveis por favorecer a interação social e, consequentemente, elevar a autoestima do usuário, os cães-guia trabalham como uma ferramenta de mobilidade e um facilitador no processo de inclusão da pessoa com deficiência visual.
Esses animais tão bem preparados possuem uma data só para eles: todos os anos, na última quarta-feira de abril, comemora-se o Dia Internacional do Cão-Guia.
Em especial por essa solenidade, que ocorreu no último dia 24, o g1 conversou com o Thiago Pereira, Gerente do Instituto Adimax, para saber mais sobre o treinamento dos cães-guia.
Apesar da organização sem fins lucrativos estar crescendo cada vez mais ao longo dos anos, infelizmente, um número muito restrito de pessoas consegue ter acesso a essa tecnologia assistiva: de acordo com o IBGE, no Brasil existem cerca de 7 milhões de pessoas com alguma deficiência visual e menos de 200 cães-guia em atividade.
Em um cenário de ampla concorrência, onde existem muitos cadastros para usuários de cães-guia e poucos animais disponíveis, são necessários alguns critérios no processo seletivo.
“Atualmente, nós temos mais de 700 inscritos em nossa lista de espera. No entanto, para que a pessoa consiga trabalhar com o cão-guia, é fundamental que ela seja independente quanto a sua orientação e mobilidade em locais internos e externos, realizando rotas externas com total independência, usando a bengala ou outra tecnologia que facilite sua locomoção. Dessa forma, a transição para o cão-guia acontecerá de maneira mais natural”, diz Thiago.
Thiago Pereira explica que o trabalho do Instituto Adimax consiste em contribuir com a inclusão social através do uso do cão-guia
Instituto Adimax/Divulgação
Impactando consideravelmente a realidade de muitas pessoas e levantando a bandeira de diferentes causas, o Instituto Adimax está localizado em Salto de Pirapora, interior de São Paulo.
Ciclos do programa
O processo total de treinamento de um cão-guia dura cerca de 1 ano e 8 meses até que ele seja entregue ao seu futuro tutor.
O treinamento tem início com a socialização do filhote. Sendo assim, o Instituto Adimax conta com famílias voluntárias que recebem o cão em seu lar e são responsáveis por apresentar o mundo a ele durante o período de aproximadamente um ano.
“Após essa etapa, o cão retorna ao Instituto e inicia o treinamento específico junto ao instrutor. Quando formado como cão-guia, a escolha do beneficiário acontece buscando sempre a compatibilidade dos dois. Depois disso, a pessoa recebe o cão no Instituto e permanece em nosso hotel por 15 dias. Dessa forma, é realizado um treinamento intensivo com a dupla, passando por diferentes situações e ambientes, visando a adaptação de ambos”, explica Thiago.
Hotel do Instituto Adimax
Instituto Adimax/Divulgação
Aptidão para guiar
Antes mesmo do filhote nascer, é iniciada uma análise de vocação, visto que as matrizes e os padreadores – trazidos ao Centro de Treinamento do Instituto Adimax por famílias voluntárias – já são selecionados geneticamente para gerarem futuros cães-guias.
Trata-se de uma construção durante todo o processo de preparação, em que a equipe técnica analisa minuciosamente o comportamento do cão.
Durante a socialização, a equipe responsável pelo desenvolvimento dos filhotes realiza mensalmente treinos característicos, como treino de ônibus e de escada rolante, já avaliando o perfil e reações a diferentes situações, que futuramente serão vivenciadas com a pessoa com deficiência visual.
Já no treinamento específico, os instrutores identificam se os cães atendem aos requisitos técnicos de um cão-guia e se exercem a missão com excelência e responsabilidade.
“A saúde do cão é imprescindível, por isso desde o seu nascimento são realizados diferentes exames, além de receberem um acompanhamento médico veterinário durante todo o processo. Nós prezamos, acima de tudo, pela saúde e bem-estar do cão. É fundamental que ele seja saudável e esteja feliz exercendo essa missão”, completa Thiago.
O cão-guia se aposenta em média, 8 anos após ter se formado. No entanto, esse tempo de trabalho pode variar de cão para cão.
É possível se cadastrar no site do Instituto Adimax para adotar um cão que tenha sido desligado do programa, seja por questão de saúde ou comportamento que o impeça de seguir para a próxima fase do treinamento.
Fachada do Instituto Adimax
Instituto Adimax/Divulgação
Acessibilidade e inclusão
Devido ao restrito número de cães-guia em serviço no Brasil, a surpresa e incompreensão das pessoas sobre essa causa ainda é bastante comum.
Um dos principais desafios enfrentados atualmente pelos usuários de cães-guias é a falta de conhecimento da sociedade sobre o cumprimento da Lei Federal 11.126/2005, regulamentada pelo Decreto 5.904/2006, que garante o direito de ingressarem e permanecerem em todos os lugares públicos ou privados de uso coletivo.
Apesar desse quadro, ao longo dos anos a população passou a compreender melhor a importância do cão-guia na vida de pessoas com deficiência visual, identificando as mudanças que ele traz. Além do treinamento e entrega dos cães, nossas atividades também consistem em palestras informativas e educativas, vivências, dinâmicas de grupos e ações de divulgação para conscientização e engajamento de pessoas para a causa”, finaliza Thiago Pereira.
Lucas Mayetta ao lado de Elvis, seu cão-guia treinado pelo Instituto Adimax
Instituto Adimax/Divulgação
Para entender sobre os impactos causados pelo uso cão-guia na perspectiva de uma pessoa com deficiência visual, o g1 também entrevistou o Lucas Mayetta (29), que é auditor e tutor do cão-guia Elvis.
“No dia que recebi a notícia de que havia sido selecionado pelo Instituto Adimax, simplesmente tive a sensação de realizar um sonho. Sabia que naquele momento, minha vida mudaria para sempre”, conta Lucas.
No início, a adaptação na rotina de Lucas após a chegada de Elvis foi desafiadora, pois o cão-guia mudou completamente a maneira como o rapaz andava na rua, além de interferir nos horários que estava habituado a realizar ações cotidianas.
“Quando você recebe um cão, você passa a ser responsável por esta vida. Ele tem horário para comer, beber água e ir ao banheiro. Na parte de andar nas ruas, também muda muito, pois não preciso mais detectar o obstáculo e depois desviar. Eu simplesmente ando. Ele faz o trabalho de olhar tudo”, diz ele.
Após o período de adaptação, a conexão entre o Elvis e seu tutor se fortaleceu e os resultados foram muito positivos. A realização de tarefas do dia-a-dia passaram a ter uma execução mais simples, evidenciando as vantagens de ter um cão-guia em relação ao uso da bengala.
“Me sinto mais seguro ao estar com o cão. Ele pode detectar e me desviar de coisas que estão na altura do meu rosto, por exemplo, sendo uma coisa que a bengala já não pode identificar. Ele é capaz de encontrar coisas, como elevadores, escadas rolantes, faixas de pedestre, entradas, saídas, etc”, relata Lucas.
Vale ressaltar que o processo de cadastro para ter um cão-guia é fácil, bastando apenas ler o regulamento e preencher um formulário no site das escolas de cães-guias.
Uso do equipamento nos cães-guia
O equipamento é a conexão da pessoa com o cão, é através da alça que se realiza a leitura do que está acontecendo. É a forma como o cão transmite as informações necessárias para que o usuário seja guiado.
Além disso, durante o período de socialização, o filhote também utiliza um colete para simular o equipamento que ele irá utilizar futuramente.
Lucas também falou sobre o comportamento das pessoas ao verem ele andando com o cão-guia. De acordo com o tutor de Elvis, muitas pessoas se admiram com o trabalho e com a beleza do cão e por ignorância acabam interagindo com ele, causando problemas nas caminhadas da dupla.
“Ao interagir com um cão-guia em trabalho, você pode causar acidentes graves. Por isso, se vir um cão-guia, não interaja com ele. Interagir não é somente colocar a mão ou fazer carinho, mas falar com ele e fazer movimentos que possam chamar atenção dele, também são formas que podem distraí-lo”, finaliza Lucas Mayetta.
Durante os momentos em que o cão-guia estiver com o equipamento, é importante se atentar aos cuidados necessários para não atrapalhar e causar uma perca de foco no animal.
Mas engana-se quem pensa que os cães-guia não possuem momentos de descanso: além de gostarem de ter um objetivo a ser cumprido, os animais equilibram lazer e trabalho na rotina.
Quando estão guiando, eles têm um propósito e acabam se divertindo passando o dia na companhia de seu tutor. Essa função definida é o que os diferencia de bichinhos de estimação, que geralmente ficam sozinhos em casa.
Além disso, se para os pets o lazer é fundamental, para os cães-guias as horas voltadas para brincadeiras e carinho são ainda mais importantes, pois funcionam como uma forma indispensável de extravasar após o trabalho.
O objetivo do Instituto Adimax é contribuir para uma sociedade mais inclusiva e que preze pela equidade
Instituto Adimax/Divulgação
* Colaborou sob a supervisão de Beatriz Pires
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Fonte: G1