Câmara aprova retrocessos na pauta ambiental e pode fragilizar mecanismos de prevenção



Projeto que reduz proteção a áreas não florestais já recebeu aval de comissão. Outros textos liberam garimpo em reservas, flexibilizam medidas contra incêndios e extinguem taxas que custeiam Ibama. Menos de dois meses após o início dos trabalhos em 2024, a Câmara dos Deputados já avança em matérias que, segundo especialistas, representam retrocessos à pauta ambiental e podem fragilizar mecanismos de prevenção.
Pelo menos seis projetos que estão tramitando em comissões permanentes da Casa – e um que já pode seguir direto para o Senado – atacam a fiscalização ambiental e abrem margem para ampliar o desmatamento.
Em uma das primeiras sessões do ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), hoje presidida pela deputada de oposição Carol de Toni (PL-SC), aprovou um projeto que permite desmatar vegetações nativas não florestais em todos os biomas brasileiros.
Como o texto tramita em caráter terminativo, pode ser levado diretamente ao Senado se não houver recurso para ser votado no plenário da Câmara.
De Toni é integrante da bancada ruralista e participou da CPI do MST, onde tinha a suposta intenção de “desmascarar” o movimento. A comissão terminou sem um relatório final.
CCJ da Câmara dá aval a projeto que diminui proteção à vegetação nativa não-florestal
Os seis textos em tramitação simultânea que afrouxam a fiscalização podem (clique para ver detalhes):
liberar o desmate de vegetação original em biomas que não são florestas;
legalizar o garimpo em reservas extrativistas;
afrouxar medidas de prevenção a incêndios em áreas rurais;
flexibilizar as Áreas de Preservação Permanente (APPs); e
enfraquecer a taxa de controle e fiscalização ambiental e, consequentemente, do Ibama;
enquadrar a silvicultura como atividade “sem impacto ambiental”.
Consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), Mauricio Guetta tem acompanhado as discussões na Câmara e vê com preocupação o movimento articulado pelos deputados.
“São proposições que, além de atingirem o núcleo do direito da população ao meio ambiente equilibrado, atentam contra os próprios setores econômicos supostamente beneficiados. As mudanças climáticas têm causado impactos severos na produção agrícola em várias regiões do país e tendem a se agravar ainda mais com a aprovação dos retrocessos em questão”, afirma Guetta.
Coordenador da Frente Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP) é contrário à aprovação dos textos e diz que a frente tem articulado saídas para evitar a transformação desses projetos em lei.
Por outro lado, a bancada ruralista – uma das maiores e com mais força no Congresso – tem trabalhado para mudar a legislação.
“O risco é flexibilizar a legislação ambiental, principalmente o Código Florestal, para facilitar a expansão de determinados setores econômicos em áreas que devem ser protegidas. Legalizar o que é crime. Hoje temos fiscalização que inibe o crime”, diz Tatto.
O deputado petista acredita que o governo deve se organizar para orientar contra o projeto, por meio do Ministério do Meio Ambiente.
Entenda as propostas
Exploração de vegetação nativa
O texto aprovado na CCJ no último dia 20 altera o Código Florestal para prever que as formas de vegetação nativa predominantemente não florestais, “como os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos”, serão consideradas áreas rurais consolidadas e, com isso, poderão ser exploradas.
O texto também inclui um dispositivo conflitante com a Lei da Mata Atlântica.
Segundo a proposta, as regras estabelecidas para a regularização ambiental de imóveis rurais previstas no Código Florestal valem para todo o país e afastam “disposições conflitantes contidas em legislações esparsas”, inclusive aquelas que se refiram apenas à parcela do território nacional – como a área de predominância da Mata Atlântica.
Parlamentares da base governista argumentam que áreas de vegetação nativa perdem a proteção legal com a aprovação desse projeto.
Deputados da oposição rebatem as críticas dizendo que “nenhuma árvore será derrubada”, já que esses campos são de vegetação baixa (arbustos, por exemplo).
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Garimpo em Unidades de Conservação
Projeto pautado na Comissão de Minas e Energia viabiliza o licenciamento ambiental de garimpos em reservas extrativistas e parques nacionais – categorias de Unidade de Conservação.
Atualmente, essas atividades são proibidas.
“É uma tentativa de alguns deputados avançar nessa pauta que prejudica o meio ambiente. Essa é a pauta do bolsonarismo de querer passar a boiada”, afirma o deputado Carlos Veras (PT-PE).
Já para o relator, deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO), a lavra garimpeira de pequeno porte é compatível com as características das reservas.
Segundo Chrisóstomo, a atividade que seria legalizada usa técnicas de baixo impacto ambiental e seria realizada pelas próprias populações tradicionais que ocupam essas áreas.
“Trata-se de área utilizada para subsistência das populações extrativistas tradicionais, por meio de atividades que assegurem o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Nesse sentido devemos lembrar que o pequeno garimpo de baixo impacto ambiental é uma atividade de subsistência que já está incorporado na tradição de nosso povo, desde os primórdios do país, nos tempos de colônia”, afirma em seu parecer.
Incêndios no campo
Uma proposta na Comissão de Agricultura libera empreendimentos rurais para descumprir medidas de prevenção e combate a incêndio, desde que não haja risco a pessoas, patrimônio ou ao meio ambiente.
O texto inicial dispensava essas empresas de adotar qualquer medida a respeito – sob o argumento de que leis municipais e estaduais teriam criado exigências e custos desnecessários.
A relatora, deputada Daniela Reinehr (PL-SC), mudou a redação para prever medidas simplificadas de prevenção e combate a incêndio, além de incluir a obrigatoriedade do treinamento de combate ao fogo.
“Não acreditamos que sair de um extremo de medidas de prevenção excessivas para a total ausência delas seja a solução. Não há como dispensar todas as exigências, pois em caso de acidentes pode ser que em virtude das longas distâncias o socorro não chegue a tempo. Por outro lado, um mínimo de prevenção ajuda a reduzir o seguro da propriedade e das instalações produtivas”, afirma seu parecer.
Para o deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM), o projeto é uma “afronta” à fiscalização ambiental.
“Quem vai conseguir manter a vigilância sobre esses empreendimentos rurais para se certificar de que estão seguindo os procedimentos corretos dos bombeiros?”, questiona.
“Vemos os estragos causados pelo fogo cada vez maiores, anualmente. Temos que lembrar que já estamos em uma emergência climática. Ou seja, não há mais tempo para as concessões. É urgente se adaptar. Sabemos que há uma demanda insistente de parte dos parlamentares para que as regras ambientais sejam flexibilizadas e que as punições sejam menos duras, mas se elas existem é para serem cumpridas”, diz o deputado.
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Ameaça a Areas de Preservação Permanente (APPs)
Projeto em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça propõe considerar obras de infraestrutura de irrigação como utilidade pública.
Segundo especialistas, o texto tem potencial de agravar e intensificar a segurança hídrica no Brasil.
“Na medida em que objetiva viabilizar barramentos de rios e cursos d’água, considerando as obras de infraestrutura de irrigação como de utilidade pública, promove a apropriação privada da água”, ressalta Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica. “É um grave atentado que pode levar a desmatamentos em área de preservação permanente e intensificar impactos do clima, criando conflitos por uso da água”, afirma.
Para Mauricio Guetta, do ISA, o projeto representa um grave retrocesso em relação ao Código Florestal para atender a interesses imediatos de apenas um setor econômico.
“O mais irônico é que, de um lado, a justificativa para permitir esses barramentos reside nas consequências negativas das mudanças climáticas sobre a irrigação e, de outro, a bancada ruralista segue o velho ‘modus operandi’ de destruir a legislação florestal, essencial para combater a emergência climática”, afirma.
Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA)
Outro projeto que pode ser pautado na CCJ restringe a cobrança da TCFA às atividades submetidas à competência de licenciamento da União.
O relator, deputado Covatti Filho (PP-RS), afirma que o objetivo é “calibrar” a cobrança da taxa.
Já para Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, a proposta enfraquece o Ibama e vai contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela explica ainda que a taxa é uma fonte de recursos importante para a autarquia há mais de duas décadas.
“Cabe dizer que é relevante também para os governos estaduais, uma vez que o Ibama tem acordos de cooperação para repasse para vários entes federados de até 60% dos recursos arrecadados com essa taxa”, afirmou.
Silvicultura como ‘atividade sem impacto’
Texto já aprovado no Senado e pronto para a pauta da Comissão de Constituição e Justiça deixa de considerar a silvicultura (monocultura de árvores uma atividade com impacto ambiental.
Se excluída deste rol, não haveria necessidade de licenciamento ambiental para a prática, que ainda ficaria isenta da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).
Suely Araújo explica que o setor precisa de controle e que o projeto soa como um ataque ao Ibama, que tem na TCFA uma importante fonte de recursos.
“A silvicultura gera sim impactos ambientais significativos se não for conduzida com cuidados técnicos, como perda de biodiversidade, rebaixamento do lençol freático e outros problemas”, diz a especialista.
Autor da proposta, o então senador Álvaro Dias disse que o projeto busca retirar o rótulo “equivocado” de atividade poluidora da silvicultura, além de desburocratizar a atividade.
“Trata-se, portanto, de um setor pujante da agricultura brasileira, que contribui com geração de emprego e renda, produção de diversos benefícios ambientais, que não deveria ser mantida como com o rótulo de atividade poluidora e submetida a licenciamento ambiental burocrático e dispendioso”, afirmou.




Fonte: G1

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