Entenda o que é responsabilidade fiscal e porque o assunto virou tema de disputa entre os Poderes
Busca pelo equilíbrio das contas públicas tem gerado atrito entre Executivo e Legislativo nas últimas semanas; economistas destacam sustentabilidade de gastos. Na semana em que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 24 anos, o termo “responsabilidade fiscal” entrou no centro de um atrito entre o Executivo e o Legislativo.
Nas últimas semanas, o governo conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão de uma medida aprovada pelo Congresso sob o argumento de que o Legislativo deveria ter apontado uma fonte de compensação para a renúncia de receitas.
A ação desencadeou um debate sobre a responsabilidade fiscal, com troca de críticas entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) (veja mais abaixo).
Rodrigo Pacheco e Fernando Haddad
JN
Mas, afinal, o que é responsabilidade fiscal? O g1 conversou com advogados, economistas e cientistas políticos para entender o termo que, desde 2000, nomeia uma das principais legislações para o setor público.
Cuidado com dinheiro público
O economista Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, define a responsabilidade fiscal como o “cuidado com o dinheiro público, de modo a equilibrar receitas e despesas ao longo do tempo e garantir a execução das políticas públicas determinadas pela Constituição e pelas Leis”.
“Responsabilidade fiscal não é sinônimo de Estado mínimo ou gastos públicos pequenos, mas de contas públicas sustentáveis, fontes de financiamento e despesas que se equilibrem garantindo prosperidade e crescimento”, disse o economista.
O economista Felipe Salto destaca a importância da sustentabilidade nas contas públicas.
BRUNO ROCHA/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO
Para o economista e professor de finanças do CCSA-Mackenzie, Josilmar Cordenonssi, na prática, a responsabilidade fiscal interfere na vida das pessoas, principalmente por meio da inflação.
“Com a responsabilidade fiscal você não deixa a dívida explodir, ter um crescimento descontrolado. Se você faz isso, os investidores perdem confiança, tanto no título de dívida do país, como também na moeda, então você teria uma inflação antes mesmo do governo imprimir moeda para pagar aquela dívida, por exemplo”, explicou o economista.
Despesas x Gastos
Um dos pontos centrais da responsabilidade fiscal é o equilíbrio entre a arrecadação e os gastos públicos.
“A responsabilidade fiscal é um conceito que diz respeito à relação que o governo tem que manter entre receita e despesa. (…) Ou seja, quando o governo vai dar uma isenção, está reduzindo um tributo. De onde que vai tirar a receita alternativa para cobrir essa redução?”, explica o advogado e doutor em Direito Tributário, Igor Mauler.
No passado, a legislação estabelecia um limite para os gastos públicos chamado teto de gastos, que determinava que a maior parte das despesas não podia subir acima da inflação do ano anterior.
A nova regra para os gastos públicos, chamada de novo arcabouço fiscal, foi aprovada em agosto do ano passado, e entre outras regras, estabeleceu que as despesas:
não podem subir mais do que 70% do aumento na receita; e
não podem avançar mais do que 2,5% por ano acima da inflação (foi proposto um intervalo de alta real de 0,6% a 2,5%).
Entenda o arcabouço fiscal em números
g1
Legislativo e a responsabilidade fiscal
Se a responsabilidade fiscal é essa busca pelo equilíbrio das contas públicas, leis orçamentárias – como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a própria Lei Orçamentária Anual (LOA) – têm relação direta com o tema.
O mesmo ocorre com projetos de lei que tramitam no Congresso e interferem no aumento ou diminuição da arrecadação, como as que concedem isenção de impostos, por exemplo.
Entre os projetos com impacto fiscal está o que estabelece a volta da cobrança do seguro obrigatório de veículos terrestres, anteriormente conhecido como DPVAT.
Além de aumentar a arrecadação com a cobrança do seguro, a proposta ainda permite que o governo antecipe a ampliação de despesas no Orçamento de 2024 devido a uma alteração feita pela Câmara dos Deputados no texto.
Na prática, essa medida vai liberar mais de R$ 15 bilhões em gastos, que deverão ser usados pelo Planalto para compensar um montante parcial das emendas de comissão – vetadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro.
Outro projeto que também mexe com a questão da responsabilidade fiscal é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio. A proposta estabelece que um aumento de 5% do salário, a cada cinco anos, para:
membros do Judiciário e do Ministério Público;
ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e conselheiros de contas municipais e estaduais;
delegados da Polícia Federal; integrantes da Advocacia Geral da União (AGU);
e procuradores dos estados e do Distrito Federal.
Nesta terça-feira (7), Pacheco defendeu que “não há irresponsabilidade fiscal na medida”. As estimativas de custos de uma eventual aprovação da PEC têm variado, com projeções de mais de R$ 80 bilhões de impacto fiscal nos próximos três anos.
‘Não há irresponsabilidade fiscal’ na PEC do Quinquênio, diz Pacheco
Outra votação que irá interferir na questão fiscal é a manutenção ou derrubada de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a serem analisados na sessão do Congresso marcada para esta quinta-feira (9). Um dos vetos cortou R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão na LOA.
Para o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, um dos principais motivos para atritos entre Executivo e Legislativo envolvendo a questão fiscal está relacionado às emendas.
“A questão da reforma fiscal mexe com interesse dos políticos, especialmente com recursos que eles contam. Então provavelmente a grande queda de braço do governo – tendo à frente o Haddad – e o mundo político é o receio que os políticos têm de ter contingenciamento, de ter essa diminuição de dinheiro que eles teriam à disposição para poder fazer obras, reparos, tudo o mais. Eu acho que esse é o elemento que norteia esse debate e esse incômodo entre Executivo e Legislativo”, afirmou Rodrigo.
“A votação dos vetos se insere nesse contexto geral da relação entre os Poderes, sobretudo pelo peso das emendas parlamentares. O Legislativo ganhou muito espaço no orçamento, contrariando o que prevê a constituição cidadã. É um desafio resgatar a liderança do Executivo nesse aspecto”, diz Salto.
Legislativo X Executivo
O último atrito entre Executivo e Legislativo envolvendo a questão da responsabilidade fiscal aconteceu nos últimos dias.
Congresso Nacional visto do Palácio do Planalto.
Leonardo Sá/Agência Senado
O embate começou quando o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), a medida aprovada pelo Congresso que prorrogou a desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores da economia.
Em seu pedido, o governo alegou que o Congresso deveria ter apontado uma fonte de compensação para a renúncia de receitas geradas pela desoneração.
Após a decisão de Zanin, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, disse a jornalistas que a lei respeitou a Constituição e a responsabilidade fiscal.
No dia seguinte, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que projetos enviados para ajustar as contas públicas foram desidratados pelo Congresso, e que o Legislativo também precisa cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
No mesmo dia em que a entrevista foi divulgada, o presidente do Senado disse, em nota, “uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil”.
Após o atrito, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, disse que “a responsabilidade fiscal é um dever de todos”.
Fonte: G1