Meses de trabalho e mais de 700 pinturas: animador de curta-metragem indicado ao Oscar fala sobre produção com artistas de vários países
Daniel Bruson, de Sorocaba (SP), é diretor de animação, roteirista, animador e artista visual e integra a equipe de produção da obra “Ninety-Five Senses”, que traz uma descrição sensível de como os cinco sentidos se desligam um a um no momento da morte. À esquerda, o personagem principal do curta-metragem Ninety-Five Senses, Coy; à direita, o artista sorocabano Daniel Bruson
Divulgação/Camila Fontenele
“Alcançar e conectar com as pessoas”: essa é a intenção por trás de muitas produções cinematográficas. Para um animador de Sorocaba (SP), é o sentimento que predomina em relação a um de seus projetos: o curta Ninety-Five Senses, indicado ao Oscar de 2024 na categoria Melhor Curta-Metragem de Animação.
Daniel Bruson é diretor de animação, roteirista, animador e artista visual e integra a equipe de produção da obra, que traz uma descrição sensível de como os cinco sentidos se desligam um a um no momento da morte. O roteiro também trata sobre arrependimentos e a busca por redenção, além do equilíbrio entre as decisões e os acontecimentos da vida humana.
“Uma ode aos cinco sentidos do corpo proferida por um homem com pouco tempo para desfrutá-los”, diz a sinopse.
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O curta começou a ser produzido em 2019 e reuniu seis artistas de diversos países diferentes. Ao g1, Bruson conta que o projeto dos diretores Jerusha e Jared Hess e do produtor Miles Romney apresentou um roteiro simples, mas com mensagens impactantes.
“O roteiro de Ninety-Five Senses é muito bonito e me encantou de imediato quando li. Era basicamente o texto da voz e algumas indicações simples, incluindo qual animador faria qual segmento, mas nenhuma direção de como deveriam ser as imagens. Quando recebi, me senti confortável para deixar as ideias fluírem, o que foi bem legal”, conta.
O artista sorocabano foi o responsável por animar o personagem principal, Coy. Com a voz de Tim Blake Nelson, ator, diretor e roteirista norte-americano conhecido por trabalhos como A Balada de Buster Scruggs (2018), Irmãos de Sangue (2009) e O Incrível Hulk (2008), Coy traz um sotaque forte, marcante e reflexões sobre sua história de vida que levou a um crime terrível, apesar de não intencional. Indiretamente, o curta também traz uma discussão sobre a pena de morte.
“Confesso que no início foi um pouco difícil estar com esse personagem, mas aos poucos fui entendendo o que o roteiro estava fazendo. Bem no início do projeto Jerusha me passou uma descrição do que ela imaginava para o Coy, junto com algumas fotos. Ela dizia ‘olhos amigáveis, mas um rosto bem gasto. Orelhas grandes, nariz grande, faltando um dente da frente, do lado direito'”, diz.
“Criei uma pasta com fotos de prisioneiros e outra só com fotos do Noam Chomsky, um grande intelectual e pacifista americano. Fiz alguns esboços, adicionei a testa pequena, o cabelo, o bigode, o rosto melancólico, a postura, os ombros finos, os antebraços largos e as mãos fortes. No fundo acho que acabei fazendo uma mistura disso tudo com traços dos meus dois avôs”, lembra.
Esboço do personagem principal Coy, feito pelo artista Daniel Bruson
Arquivo Pessoal
Bruson afirma que a narração de Tim Blake Nelson foi essencial para o desenvolvimento da arte do personagem. As cenas foram animadas quadro a quadro e, para isso, o animador afirma que fez cerca de 700 pinturas em papel até atingir o resultado final.
“Meu ponto de partida criativo foi na verdade a voz de Tim Blake Nelson. Ali ele trouxe as emoções e o jeito de falar que guiaram toda a minha construção da atuação do personagem. O jeito que ele se move e olha tem tudo a ver com a voz. Já na sequência final, que pintei quadro a quadro com nanquim no papel, fui por um caminho bem mais expressivo e vertiginoso, deixando as pinceladas fluírem e repassando os cinco sentidos em um delírio final de Coy caminhando no corredor da morte”, explica.
Esboço do personagem principal Coy, feito pelo artista Daniel Bruson
Arquivo Pessoal
Mistura de estilos e culturas
A criação de Ninety-Five Senses contou com a colaboração de diversos artistas. Na equipe responsável pela animação, Bruson teve a companhia de Gabriela Badillo, Michael Grover, Dominica Harrison, Dallin Penman e KC Tobey e suas respectivas equipes.
Para o artista, a mistura de estilos e formas de trabalho foi o que deu um caráter único para cada uma das cenas do curta-metragem.
Imagens do curta-metragem Ninety-Five Senses
Divulgação
“Foi uma experiência um pouco abstrata, porque foi feita à distância e porque tive muito pouco contato com os outros animadores. Mas foi incrivelmente colaborativa, mesmo assim. A proposta era exatamente essa, de misturar estilos. O trabalho em conjunto é muito rico porque ver as criações dos outros artistas é sempre uma surpresa boa e um alimento criativo. Foi bom ver o design que fiz para o Coy adaptado a outros contextos e retratando outras idades, criança, jovem, adulto”, conta.
A equipe diversa e uma “tela em branco” para criar foram os ingredientes necessários para uma receita de sucesso. Ninety-Five Senses, lançado em 2023, conquistou mais de 20 prêmios em festivais de cinema em todo o mundo, entre eles o Florida Film Festival.
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Além disso, a obra também foi o primeiro curta animado não produzido pela Disney/Pixar a ser nominado para o 2023 Humanitas Prize.
Representatividade latino-americana
Apesar da estatueta dourada não estar nos sonhos de Bruson, o artista admite que receber um reconhecimento a nível mundial tem um “gostinho especial”.
“É uma sensação muito boa. Acompanhei o anúncio dos indicados em uma chamada de vídeo junto com a equipe do filme, cada um em seu canto do mundo. Foi uma alegria grande, todos surpresos e risonhos. O Oscar nunca foi um sonho meu, talvez por ser uma premiação mais conservadora e voltada aos próprios americanos, até meio careta às vezes, mas talvez por isso mesmo atravessar essa barreira e ter esse reconhecimento acaba tendo um gostinho especial para um artista latino-americano”, afirma.
O sorocabano vê a premiação como uma oportunidade de apresentar novos nomes para a indústria cinematográfica, além de dar visibilidade para novas ideias e novas produções. “No fundo é só isso que qualquer filme busca: alcançar e conectar com as pessoas”.
O tema do curta, discutido de forma filosófica e sensível durante o roteiro, também tem um grande peso para Bruson. Segundo ele, falar sobre a violência e a pena de morte é importante dentro da sociedade moderna.
“Em sociedades tão violentas e desiguais como a americana e a brasileira, em que o debate sobre segurança parece corrompido por um ódio, um fetiche infantil por armas e uma sede de sangue, sem falar nos lucros que isso gera, e sendo que no Brasil vemos um tipo informal de pena de morte ser aplicado diariamente nas ruas, principalmente contra populações marginalizadas, acho importante falar disso tudo, mesmo que em um pequeno filme de animação”, afirma.
‘Um menino que gostava muito de desenhar’
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Bruson é formado em Design Gráfico pela Unesp de Bauru (SP) e, atualmente, mora em Sorocaba. Depois de se formar, trabalhou em algumas produtoras de animação em São Paulo. “Hoje trabalho com cinema de animação, dividindo meu tempo entre colaborações em projetos de outras pessoas, do Brasil ou de fora, com meus trabalhos autorais”.
Em 2023, finalizou dois curtas-metragens, “Pátria” e “Guaracy”. Também participou como diretor de arte do longa-metragem de stop motion brasileiro “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos De Gente”. Além disso, Bruson conta que também trabalha com a produção de videoclipes.
“Mas antes de tudo isso, eu fui só um menino que gostava muito de desenhar”, afirma.
“O que me motiva é uma vontade de explorar as possibilidades plásticas do cinema de animação, da imagem e do som mudando e se movendo, como maneira de afetar e criar conexões boas com as pessoas. Especialmente se no meio disso tudo for possível debater assuntos importantes e ideias emancipatórias contando boas histórias”, finaliza.
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Fonte: G1