Parlamentares e setores da economia criticam MP anunciada por Haddad para anular desoneração da folha
Ministro da Fazenda anunciou medida provisória para tentar atingir ‘déficit zero’ em 2024. Pacote inclui mudanças na desoneração da folha de pagamento de 17 setores intensivos em mão de obra. Parlamentares avaliam que MP deve enfrentar resistência. Parlamentares e representantes de 17 setores da economia que empregam quase 9 milhões de pessoas criticaram nesta quinta-feira (28) a decisão do governo de definir novas regras para a desoneração da folha de pagamento de empresas por meio de uma medida provisória.
Em entrevista coletiva nesta manhã, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o envio de um novo pacote ao Congresso para tentar zerar o déficit das contas públicas federais nos próximos anos.
A lista de medidas inclui o retorno da cobrança de impostos sobre a folha de pagamentos de 17 setores intensivos em mão de obra (veja detalhes abaixo).
A desoneração dos impostos desse conjunto de empresas existe desde 2011, com renovações e atualizações ao longo dos anos. O Congresso renovou, após derrubar um veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a medida por mais quatro anos — até 31 de dezembro de 2027.
Pela proposta, empresas desses setores substituir a contribuição previdenciária — de 20% sobre os salários dos empregados — por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e serviço prestado.
Para o autor da proposta aprovada com amplo apoio na Câmara e no Senado, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), a medida anunciada pelo governo, que pretende reonerar parcialmente as empresas, “contraria uma decisão do Congresso”.
Na avaliação dele, a MP deverá enfrentar resistências na Câmara e no Senado.
“A edição da medida provisória contraria uma decisão do Congresso Nacional, tomada por ampla maioria em ambas as Casas. Certamente enfrentará resistências desde a sua largada. Já encaminhamos ao gabinete do ministro da Fazenda o sentimento de que o ideal é que essas propostas venham por projeto de lei, até mesmo com urgência constitucional. Porque dá prazo e tempo para que o diálogo possa acontecer”, disse Efraim.
“Porque a insegurança jurídica também é outro problema da medida provisória. Como é que o empreendedor brasileiro irá se portar? Dia 1º de janeiro está batendo na porta. Ele vai seguir a regra da medida provisória ou da lei aprovada pelo Congresso, recentemente publicada no Diário Oficial da União. Pra evitar essas dúvidas e questionamentos, o melhor caminho é que se possa fazer por projeto de lei as propostas que o governo deseja encaminhar ao Congresso Nacional”, prosseguiu.
Congresso derruba veto presidencial à desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia
Relator do projeto da desoneração no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA) também criticou a tentativa do governo de mudar as regras aprovadas pelo Congresso editando uma MP.
“A partir do momento que Câmara e Senado votaram com margem elástica de voto a desoneração da folha tanto do setor público e privado, essa decisão do Congresso deveria ser respeitada, porque isso só vem a abalar a harmonia entre os poderes”, disse.
“O Congresso voltará em fevereiro e tem a prerrogativa de devolver a MP ou derrubá-la num curto espaço de tempo, caso não venha a atender os segmentos que foram beneficiados. Os segmentos já fizeram seus planejamentos e agora vem uma mudança, isso cria um abalo muito grande”, prosseguiu Coronel.
A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que foi a relatora da proposta na Câmara, avaliou que a medida provisória causará uma “enorme insegurança jurídica”.
“Faltam 4 dias para o dia 1º de janeiro e qual a regra que o empregador vai seguir? Essas ações do governo prejudicam ainda mais nosso ambiente de negócios e colocam em risco empregos e investimentos. Vamos seguir atentos e continuar lutando pelos empregos, pela competitividade das nossas empresas e para não elevar o custo de vida das famílias brasileiras.”
Ausência de diálogo
Em um posicionamento divulgado nesta quinta, o Movimento Desonera Brasil, que reúne os setores impactados pela medida, afirmou que a decisão do governo não foi discutida com o Congresso e com o setor empresarial. Também avaliou que a MP contraria uma “decisão soberana do Congresso Nacional”.
O grupo defendeu, ainda, que a discussão das propostas deve ocorrer de maneira “profunda com a sociedade”, e não por meio de uma medida provisória.
“Não é, em absoluto, razoável que ela [prorrogação da desoneração] seja imediatamente alterada ou revogada por meio de uma MP, contrariando uma decisão soberana do Congresso Nacional, ratificada pelas duas Casas na derrubada ao veto presidencial. Além disso, a MP traz insegurança jurídica para as empresas e para os trabalhadores já no primeiro dia do ano de 2024”, disse.
Presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Suruagy afirmou que a medida alternativa anunciada por Haddad nesta quinta traz “insegurança jurídica”.
“Iremos aguardar o texto final da MP, porém, a princípio, não apoiamos o encaminhamento dado. São numerosos os postos de trabalho e investimentos que estão em jogo […] A edição da MP traz insegurança jurídica para o empreendedor brasileiro, que dia 01 de Janeiro ficará sem saber qual regra seguir, se a da MP ou da lei aprovada pelo Congresso e hoje publicada”, declarou.
Pacote de Haddad
As medidas buscam, entre outros fatores, garantir que o governo consiga cumprir a meta fiscal prevista no Orçamento de 2024 – de déficit zero, ou seja, gastar apenas o que será arrecadado no ano, sem aumentar a dívida pública.
Segundo Haddad, o novo pacote dá continuidade à intenção do governo de combater o chamado “gasto tributário” – quando o governo renuncia ou perde arrecadação de impostos para algum objetivo econômico ou social.
“Nós havíamos já sinalizado que depois da promulgação da reforma tributária encaminharíamos medidas complementares. O que estamos fazendo, enquanto equipe econômica, é um exame detalhado do Orçamento da União, isso vem acontecendo desde o ano passado, antes da posse”, disse.
“Nosso esforço continua no sentido de equilibrar as contas por meio da redução do gasto tributário no nosso país. O gasto tributário no Brasil foi o que mais cresceu, subiu de cerca de 2% do PIB para 6% do PIB”, afirmou Haddad.
Segundo Haddad, a lista é composta por três medidas:
a limitação das compensações tributárias feitas pelas empresas – ou seja, de impostos que não serão recolhidos nos próximos anos para “compensar” impostos pagos indevidamente em anos anteriores e já reconhecidos pela Justiça;
mudanças no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia para beneficiar o setor cultural e prorrogado pelo Congresso, em maio, até 2026. Segundo Haddad, parte dos abatimentos tributários incluídos nesse programa será revogada gradualmente nesse período.
reoneração gradual da folha de pagamentos – contrariando a prorrogação da desoneração promulgada pelo Congresso – com a desoneração parcial apenas do “primeiro salário mínimo” recebido por cada trabalhador com carteira assinada.
Segundo o governo, as três medidas anunciadas serão enviadas em uma única medida provisória – a data não foi informada, e o texto ainda não foi divulgado.
A MP tem vigência imediata e só deve ser analisada pelo Congresso na volta do recesso, a partir de fevereiro.
Haddad anuncia medidas para equilibrar contas públicas
Entenda abaixo, em linhas gerais, as medidas anunciadas:
Limitação das compensações tributárias
A medida vai atingir todas as compensações por decisões judiciais. Quando uma empresa ganha uma causa na Justiça, ela pode receber a quantia da União por meio de precatórios ou de compensação de créditos tributários –ou seja, deixa de pagar impostos.
Essa limitação será para créditos superiores a R$ 10 milhões, que poderão ser usufruídos ao longo de cinco anos. Dessa forma, o governo está diluindo o prazo para esses pagamentos.
Na média, a limitação para a compensação deve ser de 30% ao ano no prazo de cinco anos, mas o percentual vai depender do total de créditos que serão compensados por cada empresa.
Segundo o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, o impacto dessa medida nas contas de 2024 seria de cerca de R$ 20 bilhões.
Congresso aprova as regras do Orçamento de 2024 com déficit zero
Mudanças no Perse
As mudanças no Perse serão graduais até 2025. A desoneração sobre as contribuições sociais será extinta em maio de 2024, enquanto o benefício para o Imposto de Renda só deve acabar em 2025.
Segundo Haddad, havia um acordo para retomar a discussão do Perse caso os benefícios fiscais superassem uma perda de arrecadação de R$ 4 bilhões –estimada pelo Congresso. O Ministério da Fazenda estima prejuízo de R$ 16 bilhões.
“Esse valor de R$ 16 bilhões é um valor absolutamente conservador. Nós já temos dados de faturamento dessas empresas do Perse, elas já declararam e vão declarar até o final do ano, mais de R$ 200 bilhões de faturamento desonerado”, afirmou Barreirinhas.
De acordo com o secretário, a estimativa de R$ 16 bilhões considera somente a perda de arrecadação com os impostos federais PIS/Cofins. Os impactos sobre Imposto de Renda e contribuição social só serão conhecidos em 2024, afirma Barreirinhas.
Desoneração da folha
Segundo a equipe econômica, a desoneração da folha de pagamento apenas dos 17 setores intensivos em mão de obra representaria uma queda de arrecadação de R$ 12 bilhões em 2024. O governo chegou a citar um impacto total de R$ 25 bilhões do texto, considerando outros itens (como a desoneração da folha das prefeituras de pequenos municípios).
Nesta quinta, o governo informou que, com a reoneração prevista pela MP, o custo cairia para cerca de R$ 6 bilhões – valor que seria compensado pelas mudanças no Perse.
A medida do governo muda a lógica do benefício.
No lugar da desoneração da folha, que previa pagamento de 1% a 4,5% sobre a receita bruta da empresa, o governo propõe agora que paguem uma alíquota de 10% ou 15% até o valor de um salário mínimo. O que passar disso, pagará uma alíquota normal, de 20%.
Em vez de setores, a desoneração será concedida para classificação principal de atividade econômica das empresas, divididas em dois grupos:
desoneração de 10% para 17 categorias;
desoneração de 15% para 25 categorias.
Segundo o secretário, os grupos foram divididos segundo critérios de alcance do benefício atual e de geração de emprego. Como contrapartida, as empresas beneficiadas deverão manter o mesmo patamar de empregos atual.
“Mesmo quem ganha dois, três salários mínimos, fica desonerado parcialmente para essa primeira parcela do salário, como se fosse a tabela progressiva do Imposto de Renda”, explicou o secretário.
Já a desoneração da folha de pagamento dos municípios será tratada de forma individual, em negociação com as prefeituras, segundo Haddad.
Fonte: G1