Vereador é condenado por crime de xenofobia em razão de áudio ofensivo enviado em grupo de mensagens após o 1º turno das eleições presidenciais em 2022




Sentença substituiu a pena de dois anos e quatro meses de reclusão pelo pagamento de dois salários mínimos, o equivalente a R$ 2.824,00, e pela prestação de serviços à comunidade. O vereador Valdir Gonçalves da Silva (PODE) foi condenado por crime de xenofobia
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Em sentença publicada nesta sexta-feira (9), a juíza da 2ª Vara Judicial do Fórum da Comarca de Martinópolis (SP), Renata Esser de Souza, condenou o vereador Valdir Gonçalves da Silva (PODE), de Indiana (SP), por crime de xenofobia em razão de declarações consideradas ofensivas feitas por ele em um áudio enviado em um grupo do aplicativo de mensagens WhatsApp após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022.
A transcrição do áudio tem o seguinte teor:
“Eu queria, eu queria que desse um furacão nessa desgraça desse país inteiro. [Inaudível] do nordeste, no norte, matar todos os nortistas, esses ‘pão seco’ desgraçados. Esses ‘pão seco’ maldito, desgraçado, do norte. Essa raça desgraçada, maldita, podre, esse lixo. Também, o que você espera de um país fundado por português, por índio, por, por nortista, por, por negro? O que você espera de uma desgraça de um país desse? Um país podre, lixo. É um país lixo, essa desgraça aqui. Nortista, essa raça mais desgraçada que tem no mundo, é nortista, essa raça podre, esse lixo…”.
A decisão de primeira instância, contra a qual ainda cabe recurso, julgou procedente a ação penal movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) e condenou o vereador, de 62 anos, à pena privativa de liberdade de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, que foi substituída pelo pagamento de dois salários mínimos, o equivalente a R$ 2.824,00, e pela prestação de serviços à comunidade.
Tanto o valor em dinheiro como a prestação de serviços comunitários, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, serão revertidos, conforme a sentença, a entidade de assistência social indicada pela Justiça.
A juíza ainda determinou a comunicação do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo (TRE-SP), após o trânsito em julgado da sentença, para o cumprimento da suspensão dos direitos políticos do vereador, enquanto durarem os efeitos da condenação criminal.
O réu também foi condenado ao pagamento de R$ 3,5 mil, o correspondente a 100 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps), a título de custas do processo, e de 11 dias-multa, em um montante equivalente a R$ 444,40.
“Deixo de condenar o réu em indenização por dano moral coletivo por ausência de indicação de valor, por absoluta falta de parâmetro e por falta de prova para aferição da extensão dos danos, bem como por ausência de contraditório efetivo para apuração da concretude dos mesmos, devendo-se tal dano ser discutido na esfera cível”, ponderou a magistrada.
Em relação a esse ponto, ainda segue em andamento na 1ª Vara Judicial do Fórum da Comarca de Martinópolis uma ação civil pública na qual o MPE-SP pede a condenação do vereador ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e sociais, no valor de R$ 100 mil, e também a uma retratação pública, em decorrência das mesmas falas que foram objeto do processo penal.
‘Ficou apavorado’
Em seu interrogatório na Justiça, o vereador alegou que, em um “momento de emoção”, mandou o áudio pelo aplicativo de mensagens. No entanto, ele justificou que mandaria a mensagem a uma pessoa em privado, mas acabou enviando-a erradamente no grupo.
Além disso, Silva ainda falou que “ficou apavorado”, quando percebeu que havia enviado o áudio equivocadamente.
O vereador pontuou que “gravou o áudio em um momento de nervosismo”.
A defesa requereu a absolvição do acusado, alegando a ausência de dolo específico para a caracterização do tipo penal a ele atribuído e a falta de provas suficientes para a condenação.
O vereador Valdir Gonçalves da Silva (PODE) foi condenado por crime de xenofobia
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Crime de xenofobia
A juíza Renata Esser de Souza sentenciou que “o réu praticou o crime de xenofobia”, que é tipificado no artigo 20, caput, da lei federal 7.716/89, como “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com pena de reclusão, de um a três anos, e multa.
O parágrafo 2º do mesmo artigo eleva a pena para o limite de dois a cinco anos de reclusão, além da multa, quando o crime é cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza.
“Da análise da prova carreada aos autos, bem como do ordenamento jurídico pátrio, verifica-se que a pretensão absolutória da defesa não merece prosperar, pois, conforme depoimento prestado pelas testemunhas, o réu praticou o crime de xenofobia, capitulado no art. 20, caput, da Lei nº 7.716/89, haja vista que, logo após a apuração dos votos nas eleições presidenciais, e ao saber que seu candidato não havia sido eleito e que a maior quantidade de votos era oriunda das regiões norte/nordeste, o acusado, deliberadamente, proferiu frases ofensivas os povos procedentes do norte/nordeste, em grupo do aplicativo WhatsApp”, salientou a magistrada.
“Assim, diante da documentação e dos testemunhos trazidos aos autos, é evidente que houve sim o cometimento do crime de xenofobia, nos termos do art. 20 da Lei nº 7.716/89, tendo o acusado demonstrado seu menosprezo e a sua convicção acerca da inferioridade dos nortistas e nordestinos brasileiros, o que é absolutamente reprovável na órbita constitucional e penal”, prosseguiu a juíza.
“Acrescento que o conteúdo dos autos demonstra, com segurança e certeza, que o acusado agiu com a manifesta intenção de incitar a discriminação de origem, sendo certo que suas palavras não se dirigiram a um indivíduo específico, mas assim a todo o povo das regiões norte e nordeste do País”, complementou.
A juíza lembrou que “a tutela constitucional de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos vem estampada desde o preâmbulo da Carta Constitucional brasileira, a qual preceitua a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF)”.
Além disso, também citou que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa, “está a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, da CF), prevendo, inclusive, que ‘a lei punirá qualquer forma de discriminação aleatória dos direitos e liberdades fundamentais’ (art. 5º, XLI, da CF)”.
“Enfim, as afirmações de que os nortistas são ‘pão seco’, ‘desgraçados’, ‘malditos’, ‘podres’, ‘lixo’, ‘raça mais desgraçada que tem no mundo’, ‘raça podre, esse lixo’, como externadas na mensagem de áudio enviada pelo aplicativo WhatsApp, se amoldam inequivocamente ao art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, uma vez que implicaram na prática, induzimento e incitação à discriminação de procedência nacional, não importando que a intenção do acusado fosse (de fato) enviar a mensagem privativamente a um único indivíduo ou não (o que, como visto, é tese criada pela defesa, mas não comprovada), nem tampouco que ela tenha sido apagada depois de enviada”, enfatizou a magistrada.
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“Por fim, o acusado era imputável na data dos fatos, tinha pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta, não havendo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade que possam beneficiá-lo, devendo, assim, ser condenado pelo crime praticado”, concluiu.
No entendimento da juíza, “a pena deve ser exasperada” em razão da condição de vereador do réu, “de quem se esperava conduta ilibada e sem preconceitos”.
“No que diz respeito à culpabilidade, que deve ser entendida como a reprovação social da conduta, a pena deve ser exasperada, à medida em que o acusado é (e já era, ao tempo dos fatos) Vereador do Município de Indiana, portanto, representante eleito pelo Povo daquela municipalidade, de quem se esperava conduta ilibada e sem preconceitos”, pontuou.
Outro lado
O advogado Nielfen Jesser Honorato e Silva, que é o responsável pela defesa do vereador Valdir Gonçalves da Silva, afirmou ao g1, na tarde desta sexta-feira (9), que irá recorrer da decisão que levou à condenação de seu cliente pelo crime de xenofobia.
“A defesa vem analisando a respeitável decisão proferida em primeira instância, e entende que há elementos suficientes para reforma da mesma, motivo pelo qual irá interpor recurso para o fim colimado”, explicou.
Além disso, o advogado também acrescentou que vem apresentando provas da inocência do vereador na ação civil pública que ainda segue em andamento contra Valdir Gonçalves da Silva na Justiça.
“Quanto à ação civil pública citada, ainda está em fase de instrução probatória, na qual a defesa vem apresentando as provas da inocência da parte”, finalizou Nielfen Jesser Honorato e Silva ao g1.
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Fonte: G1

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